O mês em que me tornei uma feminista peluda, por Melissa de Miranda


A Melissa de Miranda é uma grande amiga que eu ainda não conheci, uma daquelas pessoas com quem cruzamos pelo mundo virtual e nos encantamos pela sua inteligência, carisma e incrível capacidade de expressão. Ontem à noitinha ela publicou em seu facebook este texto que eu copio abaixo. Simplesmente INCRÍVEL. Vale a leitura, mesmo que você, leitora, nunca deixe de se depilar.

Este texto começa com a minha vergonha em compartilhar esta foto (abaixo). Minha relutância e pavor – independentemente de quantos artigos feministas já li ou escrevi. E então aquela voz que sussurra baixinho em minha consciência: mas não temos todas nós, mulheres adultas, pêlos?

E decidi: se compartilhar e escrever, talvez outra garota se sinta bem com o seu corpo.

Naturalmente a resposta é que sim. Temos. Mas, em termos de cultura, não. Não temos. Ou não em público, pelo menos. Antes que alguém me venha com a clássica – “cada um faz o que quer” –, já aviso que não é bem assim e vocês sabem que não. Risadas, olhares de nojo e dedos apontados na rua nos dizem que não. Da forma mais grosseira e invasiva possível. Somos piadas para conhecidos, para a família, para estranhos. Eu posso atestar isso. De todas as formas que o meu feminismo incomoda as pessoas à minha volta (“você não vai ser aquelas loucas, chatas, né?”), a principal preocupação é se eu, pelo amor de Deus, vou continuar a me depilar. Porque manter os meus pêlos não é uma opção. Deixar os seus pêlos crescer, aí sim, é ultrapassar todos os limites do aceitável.

Que vergonha. Que horror.

O que me preocupa é que cada vez mais a feminilidade está associada ao que não é natural para as mulheres (todos os pêlos arrancados, a maquiagem o dia inteiro, o cheiro artificial comprado em farmácias). E o que é natural é voltado contra nós [1] – nossos pêlos são motivo de estresse e de vergonha; nossa menstruação é nojenta; nosso corpo pós-parto é grotesco. Quando Simone de Beauvoir disse que não nascemos mulheres e, sim, nos tornamos mulheres, duvido que ela pudesse previr o quão caro isto custaria no século 21. Isto é, semanalmente. Dos nossos bolsos, de todas nós.

A feminilidade não está associada a algo que temos naturalmente. Precisamos comprá-la, constantemente, e então mantê-la. Estou falando de procedimentos (no plural!) que gastam tempo e dinheiro, que nos causam dor, e cuja ausência muitas vezes nos impede de dormir com alguém, de vestir shorts no calor, entrar na piscina ou até de sair de casa. É algo semelhante ao que os homens vivenciam com a impossibilidade de manter-se em determinados empregos e deixar a barba crescer – o que vira sinônimo de desleixo e falta de higiene –, mas em demanda e proporções bem maiores.

Lembra quando vocês ficaram bravos com a moda metrossexual?

Pois são todos os nossos pêlos. Buço, axila, pernas, virilha, rosto, costas, barriga, braço. Junte isso à gordofobia e a uma cultura pesada de valorização feminina pela aparência [2] que já dura séculos e não me parece surpresa alguma o quão intensamente nos odiamos. Não ouvimos nenhuma dizer o contrário [3]. Somos, por natureza, um incômodo a nós mesmas. Temos dez vezes mais [4] distúrbios de alimentação, associados a autoimagem. O quádruplo [5] das tentativas de suicídio, ainda que os homens sejam três vezes mais bem-sucedidos neste campo. Isto são muitas (muitas!) mulheres.

Esta foi a primeira vez em 26 anos que deixei os meus pêlos crescerem e saí de casa sem escondê-los. Começou com uma campanha de saúde – a Armpits4August [6] –, mas se tornou uma jornada de leituras e mais leituras e novas experiências. Descobri coisas muito interessantes pelo caminho e gostaria de compartilhar algumas:

A – AO CONTRÁRIO DO QUE TE DISSERAM, É MAIS HIGIÊNICO!

Pêlos existem em nosso corpo por um motivo. Entre eles, para nos proteger (impedindo que bactérias e suor entrem em nosso canal vaginal, por exemplo), regular a nossa temperatura e afastar o suor da nossa pele. Li o depoimento de um médico que explicava como as bactérias, inclusive as que causam odor, se proliferam melhor na pele depilada. Afinal, criamos ali um ambiente úmido, quente e desprotegido. Agora claro que eu não deveria ter te contado isso, não é? Talvez você economize na farmácia e no consultório e ninguém vai querer isso. Melhor continuarmos escurecendo a pele estressada da nossa axila e gastando dinheiro para nos arrancarem os pêlos do corpo um a um, com cera quente.

B – É UMA QUESTÃO DE GOSTO… MAIS OU MENOS…

O mais curioso foi uma das vezes em que argumentei isso (tópico A) e um cara, provavelmente com todos os seus pêlos intactos (assim como toda a outra metade da população mundial tem), respondeu: “prefiro todas as bactérias do mundo a mulheres peludas”. Uau, quanta consideração! E está aí possivelmente a raiz – see what I just did there? – do problema. A rejeição. Ah, aquele sentimento tão antigo de que só somos felizes e inteiras se temos alguém; ah, aquele medo então de ofender e de perder todas as nossas chances; oh céus, os homens e a nossa solidão. Coitada da Nanda Costa [7] (e a enxurrada de xingamentos que recebeu!).

Tesão, como muitas outras coisas em nossa sociedade, é cultural. Em termos gerais. O que achamos bonito ou feio é algo que – sinto informar a sua falta de originalidade, amigos e amigas – aprendemos através das nossas experiências, o que nos garante certa individualidade, mas mais massivamente graças aos padrões vigentes. E também muda, como tudo na sociedade. Nos anos 80 os pêlos eram (mais) aceitos; nos 90, adotaram uma moda mais discreta; e nos 2000, com a chegada da internet e expansão da indústria pornô, foram banidos e restritos à categoria “fetiches bizarros”. E agora, em pleno ano de 2013, garotos de quinze anos esperam que as suas namoradinhas não tenham um pêlo sequer (eca!), em lugar algum, antes mesmo de enfiar a sua mão (com consenso, pfvr!) calcinha adentro, alguma vez na vida. Roubei esta teoria da incrível Caitlin Moran [8], a propósito.

Aos amigos, por favor, leiam esse artigo [9] do Manual do Homem Moderno. Eu adorei.

Mas agora falando sob uma perspectiva bastante pessoal, me parece mais atraente alguém que controla o próprio corpo e as suas escolhas; sabe aquela autoconfiança e independência realmente sensuais? A meu ver, quem é segura o suficiente para bater de frente com a sociedade é também mais segura na cama e na forma como conduz a sua sexualidade; me parece bem mais instigante ver alguém sem medo de se expor, de tentar algo diferente. E presume-se que, no mínimo, a pessoa já discutiu e leu muito antes de sair por aí sendo contracultural. Está pré-disposta a ter uma cabeça mais aberta. E cada vez mais me atraio por quem quebra as regras e menos por quem segue todas elas sem questionar. Faz sentido?

Outra vantagem é que os meus pêlos fazem a pré-seleção natural por mim. Dos (e das) babacas com quem não quero me envolver.

C – HAIRY MAKES IT HOTTER! (a cama e a ciência comprovam…)

Podemos discutir à vontade. Mas a verdade é esta: pêlos em seu habitat e formato natural não só aumentam a sensibilidade prazerosa – e não a negativa; quantas de nós sentem dor com o atrito [10] nos primeiros dias após a depilação ou quando o pêlo começa a crescer novamente? –, como são os principais responsáveis pela liberação de feromônios. Aquelas partículas mágicas, conscientemente imperceptíveis, que flutuam no ar e fazem outras pessoas quererem transar com você. Se chama natureza – e ela sabe o que está fazendo, ok.

Li duas pesquisas diferentes, durante este mês de agosto, que falavam sobre os efeitos físicos dos feromônios em pessoas vendadas e achei espetacular os resultados. Uma pessoa excita a outra sem qualquer percepção (consciente). E paralelamente, imagino que mulheres esterilizadas façam alguém querer transar com elas tanto quanto plástico. Mas como eu disse antes, tesão é cultural e nós o estamos comprando em sex shops, já que todos os atrativos físicos que natureza nos deu nós, claramente, estamos erradicando.

Google it!

D – TER PÊLO É, POIS É, FEMININO!

Eu sei. Eu sei. Eu sei. Não é fácil se livrar do que você por décadas acreditou ser atraente ou condizente com o fato de que você nasceu com um sistema reprodutor feminino (bingo!) e é mais difícil ainda se livrar da droga do binarismo de gênero (vamos parar de colocar as coisas de meninos numa caixinha e as de meninas em outra? Assista isso, mudou minha vida [11]). Mas pêlos são, de fato, uma coisa de mulher adulta.

E – O FEMINISMO E A LIBERDADE INDIVIDUAL

Ninguém deve te obrigar a nada. Nem a depilar, nem a manter. Como diria Vange Leonel, frase esta constantemente citada por mim, o feminismo é um esforço diário. Esses conceitos (tópico D) estão enraizados dentro de nós e boa parte do processo de desconstrução trata-se de um exercício mental consciente. Não vem da alma, acredite. É discutir. Questionar. Rever. Se colocar fora da sua zona de conforto. E voltar correndo num belo dia de sol – e se depilar por mais três meses de verão no escurinho do seu banheiro – para depois tentar de novo ou nunca mais. Sabe-se-lá! Acontece. Devemos fazer o tanto quanto queremos fazer.

Ninguém deve se sentir obrigada a se depilar. Ou a rejeitar tudo o que não é natural. Gente! Eu sou SUPER a favor das possibilidades e das liberdades individuais. Vamos pintar o cabelo de roxo ou raspar a cabeça, fazer plástica, furar o próprio corpo, tatuar, depilar ou não e o que quisermos. Viva! O que me incomoda é apenas a obrigatoriedade da depilação. A imposição de um único padrão que não seja associado a termos negativos em nossa sociedade – suja, porca, feminista cabeluda e sapatão (sim, sou eu!) –.

Claro que a luta, em termos mais amplos, é para que não sejamos julgadas moralmente ou classificadas por nada de antemão pelo que usamos ou fazemos com o nosso corpo. Mas é aí que se torna importante sermos – e vermos – cada vez mais mulheres diferentes. Os pêlos no meu corpo abrem espaço para outras mulheres se expressarem nas mais diversas maneiras. Não se trata de abdicar da depilação como um todo, se trata de normalizar outras opções. E não só uma (oooh, so boring!).

O FATO É: MULHERES TÊM PÊLOS. Superem isso. Usem os seus com orgulho – ou ao menos, busquem uma relação mais saudável e amorosa (menos repulsiva) com o seu próprio corpo.

UNS LINKS ÚTEIS:

[1] Artigo “Nojenta?”, da Revista TPM:

http://revistatpm.uol.com.br/revista/89/reportagens/nojenta/page-1.html

[2] Artigo “Men and the Sexualization of Young Girls”, do Hugo Schwyzer:

http://goodmenproject.com/ethics-values/men-and-the-sexualization-of-young-girls/

[3] Entrevista “Kate Winslet: I accept my body”, no Belfast Telegraph:

http://www.belfasttelegraph.co.uk/woman/fashion-beauty/kate-winslet-i-accept-my-body-28677609.html

[4] Distúrbios de alimentação e autoimagem, na UOL:

http://amaivos.uol.com.br/amaivos09/noticia/noticia.asp?cod_noticia=11984&cod_canal=33

[5] Estatísticas de suicídio, no ABC da Saúde:

http://www.abcdasaude.com.br/artigo.php?401

[6] Artigo sobre o “Armpits 4 August”, no The Guardian:

http://www.theguardian.com/lifeandstyle/2013/jul/18/armpits-4-august-body-hair-feminist

[7] Artigo “Nanda Costa salva a Mata Atlântica” sobre depilação, no NLucon:

http://www.nlucon.com/2013/08/nanda-costa-salva-mata-atlantica-da.html

[8] Obra “Como ser mulher” da Caitlin Moran, na Livraria Cultura:

http://www.livrariacultura.com.br/scripts/resenha/resenha.asp?nitem=30181875&sid=72222021414866889672967

[9] Artigo “Preconceito dos ‘pseudo-homens’ contra as mulheres peludas”, no MHM:

http://manualdohomemmoderno.com.br/comportamento/nanda-costa-e-o-preconceito-dos-pseudo-homens-contra-as-mulheres-peludas

[10] Vídeo “Teat Beat of Sex: Hair”, no MadAtoms:

http://youtu.be/q-Pk3dYUl5w

[11] Vídeo “Alice Dreger: Is anatomy destiny?”, no TED Talks:

http://www.youtube.com/watch?v=59-Rn1_kWAA

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111 pensamentos sobre “O mês em que me tornei uma feminista peluda, por Melissa de Miranda

  1. Mulher Anônima disse:

    Fico impressionada com a ignorância de algumas pessoas que nem leram o texto inteiro mas já estão com mil pedras na mão para criticar quem escolheu manter os pelos de seu corpo. Ninguém tá obrigando ninguém a nada aqui. Trata-se apenas de escolha. Poder de escolha.

    Eu agradeço imensamente a Melissa e ao dono do blog pelo espaço cedido para falar em nome das mulheres que se insurgiram contra a ditadura da depilação compulsória. Eu estou sem depilar minhas axilas há quase três meses e pra mim é muito reconfortante ler histórias como esta. Ainda temos muito a caminhar e os comentários raivosos daqui mostram isso. Espero que um dia essas pessoas possam encarar a depilação com outros olhos e entender nossas escolhas.

  2. Ivi disse:

    Mel,
    Tem pessoas que tem essa função no mundo: dar um tapa na cara, uma sacudida, pra voltarmos finalmente a pensar com nossas próprias cabeças.
    Quando vi seu post resolvi reservar um tempo calmo pra ler, e agora aqui estou eu, agitada, com a mente borbulhando, e realmente me questionando. Eu só tenho a agradecer 🙂
    Parabéns pela iniciativa, querida!
    Amei o texto, as perguntas, e a sua coragem!

    Beijo grande,
    Ivi.

  3. caca disse:

    Querida….eh tdo uma questao de gosto…..pelos pinica! rs… eu n curto nem homem peludo…
    E outra…se eh para n sentir dor, n modificar oq temos… pq suas sombrancelhas estão tiradas?
    Seu cabelo cortado? ..

    Bjs

  4. Daniel disse:

    Parabéns, Melissa, conseguiste teu objetivo de ganhar mais viwers com algo tão fútil e ridículo, porém inovador. Toma vergonha na cara, que coisa horrível. Mas quem sou eu pra julgar (se bem que já até julguei), cada um tenta chamar a atenção do jeito que pode.

  5. João disse:

    Eu sou a favor de os homens se depilarem também, pois não gosto de pêlos rsrs só não me depilo pois seria taxado de várias coisas também, lhe dou parabéns por ter coragem de fazer isso.

  6. Carla Lopes disse:

    Sempre usei a minha ao natural e não me incomodo com isso nem mesmo para ir a praia. Pelo é proteção natural e nada mais garantido do que ter a boceta coberta por muitos deles.

    • Bruno disse:

      Verade carla, concordo com você, mulher que não esteja ao “natural” pra mim não serve, é muito mais bonito visualmente e excitante sexualmente.

  7. Gabrielle Veleda disse:

    Bom, gostaria de parabenizar a Melissa de Miranda pelo post que está maravilho. Faz um tempo que ando lendo artigos e vendo documentários de meninas que optaram a deixarem seus pelos a amostra, no começo eu não entendia muito bem e achava que era só uma forma de confrontar a sociedade machista em que vivemos, também tive aversão a pessoas que faziam isso (aqui na minha cidade há um movimento muito grande feminista no qual, algumas meninas já não se depilavam mais). Mas depois fui vendo que todos os tópicos que elas levantavam com relação a depilação se encaixavam na minha vida, como por exemplo depilar pernas e virilhas, eu tenho horror de fazer isso um dia sim e outro não, pois meus pelos crescem muito rápido.
    Só tem uma coisa que me incomoda e é o fato de meninas quererem parecer homens e homens quererem parecer meninas. Acho que se tu lutar por direitos iguais aos homens, não quer dizer que tenhas que parecer um homem (não sei se me expressei bem). Uso o exemplo da Coco Chanel que pra mim foi uma feminista e tanto, nos livrou dos espartilhos e introduziu em nosso guarda roupa a calça de uma maneira tão sutil e elegante, que ela não precisou parecer um homem. Acho que podemos ser femininas e feministas e não deixar que a mídia fique imponto o que devemos ser ou deixar de ser.
    Eu, hoje em dia, não radicalizei ao ponto de não depilar as axilas, mas não me importo mais de passar uma semana sem me depilar minhas pernas e sair com uma saia pra rua. Continuo depilando minhas axilas e meu namorado não fica “tão” de cara quando não apareço toda depilada pra ele. Gosto de arrumar meu cabelo, gosto de fazer as unhas sem precisar tirar toda a cutícula, gosto de usar um perfume (mas meu namorado diz que prefere o meu cheirinho), gosto de usar salto (quando eu quiser, como eu quiser e aonde eu quiser), e entre outras coisas.
    Admiro a tua coragem Melissa e tenho certeza que vais encorajar outras meninas também! Acho que só o fato de eu não me estressar mais em me manter toda depilada já é um grande passo KKKKKKKKK. Parabéns mais uma vez!

  8. li santos disse:

    Suponho então q não use mais desodorante?
    Atitude desnecessária… Parece q as feministas se sentem ultrajadas e ameaçadas pelas atrizes pornô! Não acho q ninguém é obrigada a se depilar inteira… nunca me senti assim.
    Ninguém pode obrigar uma mulher a depilar sua genitália e resto do corpo. Isso não existe.
    Agora acho uma hipocrisia negar a importância estética de uma axila feminina depilada!

  9. eduardo disse:

    sinto um tesão danado por axilas peludas mas sempre sou zoado quando comento com os amigos hahahaha

  10. Igor disse:

    Eu acho um pouco nojento…
    Me lembra esse vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=_iruZNZUEfI&feature=youtu.be

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