Temos hoje a segunda participação especial de Aline Marsicano Figueiredo, internacionalista e pós-graduanda na renomada universidade francesa Science Po. Hoje, Aline analisa o estabelecimento da Comissão da Verdade no Brasil, que busca esclarecer crimes cometidos durante a ditadura militar.

Dilma Rousseff, que foi presa e torturada durante o regime militar brasileiro, busca a verdade sobre crimes do período.
Memória e Reconciliação?
No dia 16 de maio, foi estabelecida a Comissão da Verdade, que investigará e trará à luz violações de direitos humanos ocorridos entre 1946 e 1988. Sem poder punitivo, a Comissão apontará os responsáveis por torturas, mortes e desaparecimentos durante os governos militares em um relatório a ser produzido ao fim de dois anos de investigações.
A questão da punição é importante, como nos mostra o exemplo histórico da África do Sul, onde a Comissão da Verdade e Reconciliação foi muito criticada por vítimas de abusos, que consideraram que a Comissão não conseguiu “apaziguar” brancos e negros após o Apartheid. Para aqueles que sofreram graves violações de seus direitos mais básicos, a punição dos violadores, por justa, deveria ser um pré-requisito para o processo de reconciliação com o passado.
Concomitantemente, passa a vigorar no Brasil a Lei de Acesso à Informação, que impede que informações relativas às violações de direitos humanos sejam mantidas em segredo de justiça.
Quanto à extensão e ao detalhamento das investigações, pouco se sabe. Alguns argumentam que é preciso que a Comissão seja ampla e exaustiva, ao passo que outros se opõem, argumentando que dois anos não seriam suficientes para tanto, e que é preciso orientar a investigação para que seja descoberta a participação de figuras do alto escalão e grosso calibre. Embora esse debate seja importante, é preciso pensar em como lidar com as informações encontradas, sejam elas quais forem.
O Brasil, sempre pacifista, não vai revogar anistias concedidas e esse debate já ficou para trás; mas, conhecido por sua memória de peixinho dourado, o brasileiro vai fazer o quê com o tal relatório?
Dilma, em seu discurso, durante a cerimônia em que foi formalmente criada a Comissão da Verdade, afirmou:
“Ao instalar a Comissão da Verdade, não nos move o revanchismo, o ódio, ou o desejo de reescrever a história de uma forma diferente do que aconteceu. Mas nos move a necessidade imperiosa de conhecê-la em sua plenitude, sem ocultamento, sem camuflagem, vetos, sem proibições”.
Mas será o suficiente?
O ponto é que, verdade pela verdade, verdade que é facilmente engavetada e que fica acessível por dois dias online e depois em uns poucos livros acadêmicos, não basta. Não que a verdade não importe, naturalmente, mas uma nação que passou pelos horrores de uma ditadura precisa de mais do que isso, precisa sentir confiança novamente: militares, de um lado, e sociedade civil, de outro, precisam aprender a ver a verdade de forma crítica, desapaixonada, sem apontarem-se os dedos uns aos outros.
Ver o passado com olhos críticos deve ser um exercício de consolidação da democracia no país, e a Comissão da Verdade deve ser parte de um projeto de superação e desenvolvimento social, de forma a fixar na memória coletiva os episódios de tempos mais sombrios, sem alimentar novas animosidades nem esquecer os méritos daqueles que lutaram pela conquista de nossos direitos políticos.
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Se você não leu o primeiro post da Aline, sobre o futuro da Europa e da França, em particular, após a posse de Hollande, clique aqui.