Há algum tempo as trilogias e sagas têm feito muito sucesso no Brasil – e também em boa parte do resto do mundo, diga-se de passagem.
Observem as listas dos filmes mais vistos no cinema em 2012, segundo o Guia Folha:
1º – “Os Vingadores”
2º – “Amanhecer – Parte 2”
3º – “A Era do Gelo 4”
4º – “O Espetacular Homem-Aranha”
5º – “Madagascar 3 – Os Procurados”
6º – “Batman – O Cavaleiro das Trevas Ressurge”
7º – “Alvin e os Esquilos 3”
8º – “Valente”
9º – “Até que a Sorte Nos Separe”
10º – “Os Mercenários 2”
E também a dos livros de ficção mais comprados, segundo a Veja:
1º – “Cinquenta Tons de Cinza”
2º – “Cinquenta Tons Mais Escuros”
3º – “Cinquenta Tons de Liberdade”
4º – “A Guerra dos Tronos”
5º – “O Festim dos Corvos”
6º – “Jogos Vorazes”
7º – “A Dança dos Dragões”
8º – “A Fúria dos Reis”
9º – “A Tormenta de Espadas”
10º – “Em Chamas”
Nos filmes, apenas o nono colocado, o único nacional da lista, e Valente, o oitavo, não se utilizam de sucessos anteriores. Mas não se engane: a sequência da animação estrelada pela princesa ruiva não deve demorar a sair, enquanto a continuação da história estrelada por Leandro Hassum e Danielle Winits já tem até data de estreia, 25 de dezembro deste ano.
Dentre os livros, a lista foi completamente dominada por histórias seriadas: do soft porn para senhoras de E.L.James à ficção para jovens adultos de Suzanne Collins, passando pela Idade Média de George R.R. Martin.
Mas por que estas histórias têm feito tanto sucesso no Brasil?
Apesar das similaridades, acredito ser melhor começar a analisar separadamente os fenômenos literários e cinematográficos.
Dentre os livros, é interessante notar que a diversidade de estilos é grande, e as únicas coisas que realmente os unem seriam o fator “série” e que todos os líderes de audiência são adaptáveis para as telas (seja para seriados televisivos, “A Guerra dos Tronos”, ou para os cinemas). Mulheres de meia idade e jovens adultos não parecem ter muito em comum, mas geraram fortunas aos selos Intrínseca e Rocco no último ano.
Nos filmes, a força dos grandes estúdios por trás dos blockbusters é visível. O fenômeno super-heróis não é recente, e há ao menos dez anos tem levado uma legião aos cinemas a cada lançamento. Tirando-se fracassos isolados (como “O Lanterna Verde”, decepção de bilheteria), levar personagens dos quadrinhos para as telas já virou rotina, enchendo de dinheiro os bolsos dos proprietários de Marvel, DC Comics e cia. O mesmo se pode dizer de animações como A Era do Gelo ou Valente: ao menos desde que Shrek cativou crianças e adultos há (já longínquos) 12 anos, filmes desse tipo são comuns nos cinemas de todo o mundo.
Porém, é curioso que nenhum filme “alternativo” tenha conseguido destaque nos cinemas nacionais. Isto vem na contra-mão das principais premiações internacionais (leia-se Oscar e Globo de Ouro) dos últimos anos. Filmes pequenos ou alternativos, como Guerra ao Terror, O Artista e Pequena Miss Sunshine cativaram o público e a crítica, mas em 2012 não tiveram destaque semelhante em nosso país. Por quê?
Uma razão está no crescimento da chamada “nova classe média”. Este público tem frequentado cada vez mais os cinemas e livrarias de todo o Brasil, mas em geral não consome filmes e livros “cult”, “alternativos”. Por motivos culturais e sociais, eles buscam principalmente o que mais se divulga na mídia, produtos da moda.
É um momento inclusivo, em que estes desejam fazer parte e mostrar que estão por dentro do que está acontecendo. IPhones, Tênis Nike ou bolsas Louis Vuitton fazem parte dos desejos de consumo, e esta tendência se estende aos cinemas e livrarias. “Se a vizinha/amiga leu cinquenta tons, eu preciso ler também.”
Além disto, os atuais sucessos geraram uma legião de fãs, cada um em seu público-alvo (desde o público infantil, nas séries de animação, até as senhoras, no caso de cinquenta tons, passando-se pelas adolescentes fãs de Crepúsculo e aos jovens fãs de Guerra dos Tronos ou Batman).
Estes fãs são consumidores ávidos por qualquer coisa relacionada aos filmes ou livros admirados que estão dispostos a pagar até R$1500 para ficar próximos de seus ídolos. E isto movimenta uma grande indústria dedicada a mais e mais produtos ou serviços relacionados às séries de sucesso.
Aí reside um dos principais motivos das séries existirem, e cada vez com mais frequência: dinheiro. Parece simplório resumir a isto no fim deste artigo, mas é um ciclo virtuoso: os fãs gostam do filme/livro -> geram recursos -> saem novos filmes/livros -> mais sucesso e mais dinheiro. Não é a toa que “Até que a Sorte nos separe” e “Valente” já estão próximos de lançar sequências, ainda que esta não fosse a intenção inicial.
Ainda que um ou outro filme/livro alternativo consiga ganhar espaço, enquanto existirem fãs e enquanto o público não demandar criatividade e novidades, existirão sequências.
Atualização: meu amigo Julio Lucchesi, que entende muito mais de cultura que eu, fez um comentário no facebook que eu achei que vale a pena ser publicado por adicionar MUITO aos meus comentários. Leiam e analisem.
Algumas contribuições históricas ao debate. Séries, trilogias e coleções fazem parte das mais antigas regras de marketing cultural do planeta e desconhecem divisões internacionais ou de gêneros de conteúdos. Uma reflexão clássica sobre o tema é o “The Business of Enlightenment” do Robert Darnton que mostra como a Enciclopedia de Didedot e dos iluministas foi, na verdade, um grande negócio comercial.
Me parece que a divisão entre mercado e produtos “cult” também não se aplica muito bem nesse caso, já que diversos filmes ou livros ditos alternativos também foram concebidos como séries longuíssimas (vide os sete volumes de “Em busca do tempo perdido” do Proust ou as 14 partes do “Berlin Alexanderplatz” do Fassbinder).
Acho que o lançamento em série tem tudo a ver com o consumo cultural em geral. É uma maneira simples e interessante de cativar o público que fica no aguardo para os próximos lançamentos. Editoras e produtos entenderam muito bem isso.