Carta Aberta à Presidente da República, Dilma Rousseff, e ao ministro da Saúde, Arthur Chioro, sobre a febre hemorrágica Ebola
Curitiba, 17 de outubro de 2014.
Excelentíssima Senhora Presidente da República, Dilma Rousseff,
E Excelentíssimo Senhor Ministro da Saúde, Arthur Chioro,
Desde o início do atual surto de Ebola na África Ocidental, mais de 4.500 pessoas[i] morreram vítimas da doença. O índice de mortalidade subiu para 70%[ii] globalmente no surto atual, e em algumas regiões alcança alarmantes 90%.

Um garoto olha para suposta vítima do Ebola em Monróvia, Libéria. AP press/Abbas Dulleh
Os números mais recentes são ainda piores. Nas últimas quatro semanas, aproximadamente mil pessoas foram infectadas com o vírus por semana. De acordo com especialistas, este número deve atingir 10.000 pessoas/semana até o fim do ano.
De acordo com o Centro de Controle e Prevenção de Doenças do governo dos Estados Unidos[iii], podemos ter mais de 1.3 milhão de casos da doença até 20 de janeiro. Com índice de mortalidade de 70%, isto representaria 957 mil mortos. Isto sem considerar todos os efeitos sociais desta doença, que está deixando milhares de crianças órfãs e famílias desmanteladas.[iv]

Nowa Paye, 9, é levada até a ambulância após mostrar sintomas de Ebola na vila da Reserva Freeman, Liberia. Associated Press/Jerome Delay
Para conter o avanço do Ebola, o Diretor da OMS Bruce Aylward afirmou[v] que precisa-se tratar 70% dos doentes e enterrar 70% dos cadáveres até 1º de dezembro. Caso contrário, podemos enfrentar uma séria ameaça à saúde em escala global.
Isto será impossível enquanto não houver estrutura suficiente para tratar os doentes. Na Libéria, por exemplo, há apenas uma cama de hospital para cada cinco doentes[vi].
Possivelmente, vossas excelências já tinham conhecimento dessas informações, dado que têm sido abordadas pela mídia constantemente. O que me incomoda é que nosso governo tenha tomado muito poucas medidas para de fato impedir o avanço do Ebola.
O fundo de combate criado pela ONU para o combate ao Ebola que, de acordo com a entidade, precisaria de um bilhão de dólares para atingir seus objetivos, conta com apenas 100 mil dólares até agora, doados pela Colômbia[vii]. Mais do que o doado pelo Brasil, infelizmente.
Até o dia 16/out, como mencionado pelo Escritório para Coordenação de Assuntos Humanitários das Nações Unidas, o Brasil havia doado ZERO dólares para o combate à doença, com um anúncio informal ainda não-confirmado de 450 mil dólares.
Soma-se a isto a doação de cinco kits para a proteção de 500 indivíduos cada a Serra Leoa e quatro kits à Guiné[viii].
Enquanto isto, países de representatividade global bastante inferior já se comprometeram em muito maior escala, como vossas excelências podem observar no documento da UNOCHA.
Estatísticas – Assistência Humanitária no combate ao Ebola por Doador
Preocupa-me a falta de atitude do governo brasileiro no combate à febre hemorrágica Ebola. Tentei aproveitar a presença da Sra. Dilma em Curitiba para expressar minha preocupação, porém o motivo de campanha da líder de nossa nação impediu que lhe comunicasse o que aqui digo. Espero que este chegue ao seu conhecimento para que providências sejam tomadas.
O governo brasileiro busca status de liderança regional e importante player global com tanto fervor, mas falha em um dos momentos mais importantes.
Importante, vossas excelências, é impedir que o Ebola se espalhe. Muitas vidas já foram perdidas para este vírus, e se o nosso governo não contribuir para contê-lo, ele chegará ao Brasil, mais cedo ou mais tarde.
Até o momento, tivemos apenas casos suspeitos, e vossas excelências devem ter notado o pânico causado por eles. Imaginem quando tivermos os primeiros casos, as primeiras infecções em solo brasileiro, as primeiras mortes.
Se não queremos que o Ebola chegue ao Brasil, precisamos agir IMEDIATAMENTE.
Se queremos ser um importante player no cenário global, precisamos demonstrá-lo através de ações – não apenas do discurso.
Sugiro que contribuamos com mais kits de prevenção, centros de tratamento de doentes, profissionais de saúde, ambulâncias e recursos financeiros.
As eleições são em alguns dias. Mas não esqueçam, vossas excelências, que vocês ainda são líderes do Brasil e têm vossas responsabilidades.
Atenciosamente,
Francis Kinder
UPDATE: Mais tarde, no mesmo dia da publicação deste texto, o governo brasileiro anunciou a doação de arroz e feijão no valor de 12,5 milhões de reais, menos de 5 milhões de dólares, o envio de mais 10 kits para prevenção do contágio (que conseguirá proteger 5 mil pessoas) e um milhão de reais (menos de 450 mil dólares) para a Organização Mundial de Saúde[ix]. Ainda é pouco. Muito pouco.
[i] http://www.parana-online.com.br/editoria/mundo/news/835778/?noticia=MORTES+POR+EBOLA+CHEGAM+A+45+MIL+NESTA+SEMANA+DIZ+OMS
[ii] http://nypost.com/2014/10/14/ebola-death-rate-rises-above-70/
[iii] http://www.nytimes.com/2014/10/15/world/africa/ebola-epidemic-who-west-africa.html
[iv] http://www.buzzfeed.com/tasneemnashrulla/thousands-of-children-orphaned-by-ebola-have-been#je79w2
[v] http://www.bbc.com/news/health-29625950
[vi] http://www.usatoday.com/story/news/nation/2014/10/09/aid-groups-figtht-ebola/16967349/
[vii] http://www.nytimes.com/2014/10/17/world/africa/ban-ki-moon-pleads-for-ebola-aid-donations.html
[viii] http://www.theguardian.com/global-development/2014/oct/09/ebola-outbreak-response-breakdown-key-funding-pledges