Hoje temos, direto de Paris, a colaboração da Aline Marsicano Figueiredo, internacionalista e pós-graduanda pela Science Po, a mais importante e renomada universidade francesa. As fotos são de Danilo Fernandes.

Finda a disputa ferrenha com Sarkozy, François Hollande não deve perder tempo com comemorações, mas preparar-se para agir nas próximas reuniões – G8, OTAN e encontros com líderes políticos – contra a crise econômica mundial. Conhecido por ficar em cima do muro, Hollande precisará de mais do que “cautela” para lidar com os problemas econômicos de uma Europa em pandarecos. Será que ele tem pulso firme para isso?
Externamente, a aliança com Angela Merkel permanecerá essencial em qualquer cenário vindouro, visto que a Alemanha tem se mantido relativamente estável em meio à crise. A dupla “Merkozy” esforçou-se em implementar sua agenda conjunta de austeridade liberal e agora dá lugar ao consórcio “Homer” (!), que precisa lidar com perspectivas diferentes e com o fim de um projeto convergente, mas fracassado.
Apesar da importância da zona euro para a Alemanha, sua postura tem sido a de não financiar países endividados fora de uma certa zona de conforto, o que, se por um lado poderia ser encarado como uma medida coerente com os paradigmas liberais que adota, por outro, não o seria com relação à própria história da UE, que permitiu a entrada de países que não preenchiam requisitos formais de entrada tais como déficit orçamentário abaixo de 3% do PIB, dívida pública abaixo de 60% do PIB etc. A Grécia, por exemplo, tinha uma dívida acima de 190 % e a própria Alemanha não atendia todos os critérios.
Apesar de ter participado dos benefícios da construção da zona euro, a Alemanha não quer se responsabilizar pelos danos. Angela Merkel tem resistido às pressões, sem recuar em sua postura ortodoxa, anunciando, um dia após a vitória de Hollande, que não renegociaria o pacto fiscal europeu sobre disciplina orçamentária se isso significasse promover crescimento por medidas que aumentem os níveis de dívidas.
Resta saber como Hollande trabalhará com Merkel para entrar em um acordo sobre esse caso em particular ou se a postura igualitária do novo presidente ficará restrita às fronteiras nacionais.
Enquanto o eixo França-Alemanha decide seu futuro, outros países ressentem os efeitos da crise e temem novos arranjo políticos. A Grécia já é passado, Espanha e Itália estão em chamas e os pacotes de medidas ortodoxas não têm surtido efeito algum. O pessimismo é contagiante e, para a Grã-Bretanha, após seis meses de crescimento negativo, o tom alarmista é flagrante, inclusive no que concerne às propostas de Hollande, consideradas até mesmo perigosas segundo o artigo da Economist.

Era de se esperar que o medo do socialismo fosse uma coisa anacrônica deixada naqueles tempos de Guerra Fria, mas, mesmo restrito ao nome do partido, o socialismo de Hollande – que propõe nada além de algum nível de redistribuição e de propostas de crescimento econômico com ajuda do Estado – parece chocar os líderes europeus.
Como Keynesianinha, não posso deixar de pensar nos erros estratégicos desses pacotes quando a Europa parece precisar tão desesperadamente de crescimento. Os níveis de desemprego são alarmantes e evidentemente a armadilha crescimento-financiado-pelo-Estado-que-gera-inflação é um perigo, mas a história alemã não pode limitar as soluções a medidas puramente ortodoxas que vão, além de não atingir os resultados adequados, alimentar as paixões de grupos extremistas que têm se fortalecido imensamente desde o começo da crise.
No âmbito interno, as preocupações ultrapassam os limites do social e atingem, inclusive, a própria definição de nação francesa.
As comemorações na Bastilha foram marcadas por alegria, esperança e bandeiras de inúmeros lugares, revelando não apenas a importância dos imigrantes e de seus problemas para a França, mas também uma certa defasagem entre o entusiasmo da multidão e o discurso contido do candidato eleito. A eleição de François Hollande, além de abrir caminho para novas possíveis soluções para a crise, demonstra a posição do povo francês com relação ao nacionalismo exacerbado, que, embora tenha atraído muitos eleitores, não pôde e nem deve prevalecer como resposta à crise; mas ainda há muito por vir.

Com a proposta de legalizar imigrantes na França, Hollande busca conciliar o pesado Estado francês e a massa de trabalhadores ao mesmo tempo necessários e demasiadamente caros. Se, por um lado, Sarkozy era extremamente claro em sua proposta de fortalecer as fronteiras francesas ao ponto de ser acusado de nazista, por outro, Hollande parece um pouco confortável demais com suas propostas de legalização de imigrantes, que ele espera financiar com uma pesada reforma fiscal. Certamente, seus assessores já fizeram os cálculos, e é bem verdade que, sem o trabalho dos imigrantes, a França não poderá crescer; contudo, algumas benesses do Estado francês, ainda que bem intencionadas, não podem se sustentar a longo prazo, notadamente com o súbito aumento populacional em termos formais. O eterno debate acerca do bem-estar social da população ganha novas dimensões com os fluxos de imigrantes e o governo francês precisará fazer alguns ajustes que não serão, necessariamente, populares.
Os votos dos jovens e da classe trabalhadora, que antes pertenciam à Sarkozy, em 2007, agora pertencem a François Hollande. Sarkozy, face à crise, recrudesceu seu discurso nacionalista, polarizando o debate político. A população francesa, por uma margem pequena, foi capaz de resistir à tentação de reforçar suas fronteiras e fechar-se para o mundo e, agora, François Hollande carrega, além das responsabilidades de qualquer presidente, o peso de impedir o fortalecimento do extremismo.