Não, eu não enlouqueci. Quem disse isto foi Bob Lutz, um dos maiores nomes da indústria automobilística mundial, ao repórter Marcelo Moura, da revista Época. Lutz já foi vice-presidente da BMW, da Ford, da Chrysler e da GM, e em seus 49 anos de carreira nesta área foi responsável por alguns grandes sucessos, como o Ford Explorer, o Série 3 e o Viper.

Para ele, em não mais que duas décadas os motoristas serão aposentados – ao menos, em países desenvolvidos. Os carros serão guiados automaticamente, com base no destino pré-estabelecido. Parece ficção científica, mas essa é a aposta do executivo. Veja abaixo alguns trechos selecionados da entrevista com Bob Lutz (destaques meus).
Vender carros novos será um grande negócio por muito tempo em países como China e Índia, onde ainda são realmente necessários. Nos Estados Unidos e em países europeus, é diferente. Onde o transporte público é bom, você pode viver sem carro, se quiser.
Os jovens de hoje cresceram cercados de Porsches, Ferraris, Mercedes e BMWs. Como cresceram tendo tudo isso ao redor, pensam que não há nada de especial neles. É como… a geração do meu pai era muito, muito interessada em estradas de ferro. Os garotos daquele tempo colecionavam figurinhas de trens. Quando meu pai me falava sobre isso, eu dizia: “Oh, trens! Isso é tão ultrapassado! O negócio são carros”. Isso durou muito, mas agora a novidade são os componentes eletrônicos, a realidade virtual, a conectividade.
Carros permitem interação social. Carro era o meio para ir ao encontro de amigos e levá-los ao cinema. Era um símbolo importante de reconhecimento social. E, mais importante, você podia levar garotas para passear, conversar com elas a sós e engrenar um relacionamento. Carro era um santuário de privacidade para jovens de todos os países. Agora, os jovens têm componentes eletrônicos para mandar textos, fotos e vídeos, uns aos outros. Estão tão constantemente em contato que a necessidade de conexão, antes proporcionada pelo carro, foi suprida. Mesmo o papel de exibir sinais de prestígio, antes representado pelo carro, foi ocupado. Há muito prestígio em ter a última geração do iPad.
A sedução dos carros não faz mais sentido. O tempo de viagem não depende mais da potência e da estabilidade de um carro, e sim dos limites de velocidade impostos. Um jovem de 18 anos deve se perguntar: “Por que devo comprar um Lamborghini Murciélago, de US$ 300 mil, se ele é tão rápido quanto um Cruze, de US$ 17 mil?”. Como um apaixonado por carros, acho isso deplorável, mas faz muito sentido. Além da imposição de limites de velocidade, o carro perdeu apelo ao ser transformado em vilão como causa do aquecimento global.
Depois dos cigarros, o automóvel se tornou o inimigo público número um. A sociedade entende que já derrotou o fumo, e agora está indo atrás do carro.
[Em vinte ou trinta anos], em países desenvolvidos, veremos carros elétricos, completamente autônomos. Você dirá aonde quer ir e ele irá, sozinho. Ao entrar numa estrada, se integrará a um comboio de outros carros, afastados entre si 1 metro, viajando a cerca de 200 quilômetros por hora. A estrada será um ponto de energia, que recarregará os carros que passam por ela. O motorista poderá ler, dormir, fazer o que quiser. Quando chegar ao destino, bastará descer do carro e mandá-lo estacionar. O carro encontrará uma vaga e fará manobras sozinho. Para ir embora, é só chamar o carro de volta.
Não haverá mais motoristas no trânsito. Os cavalos costumavam ser o principal meio de transporte, até que foram banidos das ruas pela chegada dos carros. Ainda há uma enorme quantidade deles, mas agora ficam guardados em estábulos. São usados para esporte e lazer. É o que acontecerá com os carros. Nos Estados Unidos, já existem clubes automotivos. Eles compram um terreno imenso, constroem duas ou três pistas, piscina, restaurante, salão de festas e garagens. Você pode deixar seu carro lá, sob cuidados. Em vez de jogar golfe, você pode ir lá, vestir um macacão e dirigir. O futuro do carro será sem motorista, com funcionamento autônomo. O prazer de dirigir, como o conhecemos, será algo para lugares fechados.
O carro será rápido, ao evitar congestionamentos e usar as estradas com eficiência. Erros e distrações do motorista, que causam acidentes, serão removidos pela tecnologia.
Essa geração do futuro, que terá carros autônomos, não verá qualquer valor especial nos carros. Basta olhar para trens e ônibus. Ninguém liga para a aparência deles, ninguém quer saber o nome do fabricante, ninguém olha e diz: “Esse é um Mercedes”. Você apenas embarca. Os carros do futuro também serão assim. Nos anos 1950, canetas esferográficas eram um avanço tecnológico. As boas marcas de esferográficas eram muito caras. Hoje isso parece muito estranho. O grande prestígio de ter uma esferográfica de marca… Ninguém liga mais para a marca das canetas. Você pode pegar uma de graça no hotel.
O espaço [deixado pelo declínio dos carros] será ocupado por realidade virtual e hologramas 3D, criados pela computação. Eles levarão as pessoas a praticamente qualquer lugar. Você poderá viver a experiência de jantar com quatro pessoas, sem nenhuma outra estar ali, porque parecem reais. A necessidade de locomoção real cairá muito. Caminhões continuarão necessários para transportar produtos, mas passar quatro horas na estrada, para visitar alguém, será algo muito menos frequente.
Acho que talvez parte do que Lutz disse seja um absurdo, mas muito disso tudo faz sentido.
1) Já se trabalha há muito tempo nas tecnologias em carros que dirigem sozinhos, e acho que em no máximo 10 anos esta tecnologia será viável comercialmente. Daí para em 20 ou 30 anos as ruas estarem dominadas por eles em países desenvolvidos é um pulo.
2) Com transporte público eficiente, carro é um luxo – e um luxo caro. Quem já morou na Europa e não viaja com frequência sabe bem disso. Vagas são difíceis de se encontrar, estacionamentos caros… e é desnecessário. Quando se quer dirigir, aluga-se um automóvel. Caso contrário, transp. público + táxi supre as necessidades.
3) Não acho que a ascensão dos carros elétricos será tão cedo. Importante recordar que em boa parte do mundo a energia elétrica ainda é gerada via combustíveis fósseis – ou seja, não muda nada abastecer com gasolina ou volts. E os derivados do petróleo ainda serão competitivos por muito tempo.
4) Até suprir o “déficit automotivo” dos países em desenvolvimento, ainda vai se vender muuuuito carro por aí.
5) Se carro é luxo, carro de luxo é sonho. E sonho para países desiguais e elitistas – ou seja, o mundo em desenvolvimento. O futuro da Ferrari é nestes países. Não é a toa que montaram seu primeiro parque temático em Dubai.
Acho que é isso… O que vocês acham? Concordam com Lutz?
E no Brasil, alguma possibilidade do carro perder importância?
Será que essas previsões poderiam ser uma saída para o trânsito caótico das maiores cidades do país?