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Brasil: um país de contrastes (também na Educação)

Um dia depois de ser divulgado o ranking das melhores universidades do Brasil, é importante observar os contrastes na educação no país.

Abaixo, vocês podem ler minha coluna para a edição de setembro da Revista ID’ – Identidade. Em “Ecos do Mundo – Brasil”, eu abordo a educação no Brasil. A edição COMPLETA pode ser acessada gratuitamente através deste link.

Vocês já devem estar cansados de me ouvir dizer isto, mas o Brasil é um país repleto de contrastes. Ouso dizer até que minha nação seja o maior Frankenstein dentre os países do planeta. Em parte por seu tamanho continental, em parte por sua diversidade étnica e cultural, em parte pela formação histórica e por políticas deliberadamente segregadoras (vigentes durante boa parte de nossa história), o Brasil é rico em desigualdades. Uso o termo “rico” de forma proposital, pela dubiedade que este vocábulo me proporciona: a desigualdade torna o Brasil um país único, plural, fantástico, interessantíssimo de se observar. Por outro lado, a nação verde e amarela é maculada pela dificuldade de ascensão social, pela perpetuidade de desigualdades aterrorizantes.

No âmbito da educação, a situação do país não é nada distinta: enquanto temos algumas das melhores universidades do mundo, com professores, estudantes e profissionais que facilmente batem de igual para igual com qualquer par estadunidense ou britânico, temos uma massa de analfabetos funcionais que engolem tudo que lhes é apresentado. Sem capacidade de julgamento, se sujeitam a situações de semiescravidão ou são ludibriados por políticos interessados única e exclusivamente em seus votos.

Comecemos pelo lado negativo, até porque infelizmente este é um dos lados mais conhecidos do Brasil no exterior.

Apesar dos esforços governamentais, o Brasil ainda tem muitas crianças fora da escola. Quem lê o meu blog (https://economistinha.wordpress.com/) já sabe disso: segundo números do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, órgão oficial de dados estatísticos no Brasil), 3% das crianças entre 6 e 14 anos estão fora da escola. Juntando-se as de 4 a 5 anos e de 15 a 17 anos ao grupo (que, a partir de 2016, também terão obrigatoriedade de frequentar a escola), são quase quatro milhões de crianças sem instrução formal no país.

Isto acontece, em parte, pela dificuldade de acesso às escolas em regiões muito afastadas. Porém, o pior motivador é o desinteresse: de acordo com tabulações realizadas por um importante jornal brasileiro, 62% destas crianças já frequentaram a escola, mas abandonaram.

Quase quatro milhões de crianças e adolescentes ainda estão fora da escola no Brasil.

 

O futuro destas crianças fica comprometido e a chance destas ingressarem no mundo do crime é alta. É cada vez mais frequente a utilização de crianças e adolescentes por gangues em atividades criminosas de maior risco, devido às penas reduzidas (ou praticamente inexistentes). A discussão quanto à redução da maioridade penal é cada vez mais acalorada, com a multiplicação de latrocínios e homicídios praticados por jovens abaixo de 18 anos.

Famílias desestruturadas favorecem a proliferação desta verdadeira pandemia do crime em grandes centros urbanos brasileiros entre crianças e adolescentes. Crianças que convivem com um (ou os dois) progenitores frequentemente embriagados ou sob o efeito de drogas, morando em residências sem qualquer estrutura, muito próximas a criminosos e sem vislumbrar fuga daquela realidade podem se iludir por promessas vazias de conforto e qualidade de vida proporcionadas pelo submundo do crime. Mais do que a educação formal, a educação extraclasse é muito importante para assegurar o futuro destas crianças. Pais, irmãos, amigos, vizinhos e toda a sociedade têm um papel fundamental para a educação.

No outro extremo, temos um punhado de universidades reconhecidas internacionalmente como de excelência. Segundo o ranking da Webometrics, que leva em conta processos de geração de conhecimento e de comunicação acadêmica, sobretudo via internet, a Universidade de São Paulo (USP) é a 15ª colocada no planeta, à frente de renomadas instituições como as Universidades de Yale, de Chicago ou de Cambridge, por exemplo. No ranking da Quacquarelli Symonds (QS), mais amplo, o país tem 11 universidades entre as 600 melhores do planeta – muito atrás da Alemanha, com 42, ou do Japão, com 27, mas não muito distante de Coreia do Sul e China, com 17 cada, e à frente de Rússia e Índia (com nove cada).

USP, a melhor Universidade da América Latina e referência mundial em ensino superior e pesquisa.

Os pesquisadores e profissionais brasileiros já são destaque e referência em diversas áreas de conhecimento no restante do mundo: Biocombustíveis, Agronegócio, Aviação Civil, Medicina, Tecnologia Bancária e Eleitoral, entre outras. Cada vez mais, o Brasil ganha visibilidade do mundo, e com isto seus pesquisadores. Projetos como o “Ciência sem Fronteiras”, que busca a expansão e internacionalização da ciência e tecnologia brasileiras através de intercâmbios de estudantes, professores e pesquisadores favorecem ainda mais o desenvolvimento da educação brasileira.

Acho que já consegui expor o meu ponto: enquanto a educação pública de base no Brasil é extremamente deficiente, sequer propiciando os conhecimentos básicos ao desenvolvimento mínimo aos estudantes, o ensino superior brasileiro vive dias de glória, e cresce cada vez mais. Importante lembrar que o ensino superior público no Brasil é gratuito, e que o ProUni e o Fies, programas governamentais, subsidiam o ensino superior privado a centenas de milhares de pessoas.

Não quero adotar um discurso demagógico, mas é necessário que as autoridades responsáveis abram os olhos para a situação ainda calamitosa da educação brasileira. Mais do que injeção de capital (que felizmente tem aumentado, mas ainda é insuficiente), é necessário mudar a mentalidade das famílias brasileiras, o que é mais difícil. Mostrar a pais e mães que colocar a criança na escola não é tudo: é preciso estruturar a família, proteger de um ambiente nocivo à sua formação pessoal. Valores éticos e morais fortes. Dedicação. Apoio. Pode parecer pouco, mas o reforço destas características é fundamental à melhoria das condições de vida e do futuro de crianças e jovens brasileiros.

Mais que criar: educar. Mais que instruir: explicar.

O futuro do país está em jogo.

Peço desculpas, caros leitores, mas não fui irônico, sarcástico ou divertido como de costume nesta edição. Mas quando o assunto é o futuro das crianças e jovens deste planeta, eu não estou para brincadeira. Nada é mais sério e importante que isto.

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Brasil tem quase quatro milhões de crianças fora da escola

O governo adora divulgar aos sete ventos que colocou todas as crianças brasileiras na escola. Infelizmente, para quem circula pelas ruas de qualquer grande cidade do país, vê crianças nas ruas em horário escolar em semáforos. Nas regiões mais inóspitas e de mais difícil acesso do Brasil, especialmente no norte, o índice de crianças fora da escola é ainda mais alto.

Veja abaixo o gráfico publicado pelo jornal O Globo:

Os números do Censo do IBGE mostram que, apesar de o problema ser mais grave nas regiões Norte e Nordeste, nenhum estado conseguiu até hoje incluir todas as crianças de 6 a 14 anos na escola. Esta população de não estudantes representa 3% do total da faixa etária. Pode parecer um percentual pequeno, mas é grave quando se considera que é quase um milhão de crianças que ainda não têm garantido um de seus direitos mais básicos, previsto pela Constituição de 1988: estudar. Se a esse grupo forem incorporados as crianças de 4 e 5 anos e os jovens de 15 a 17 (que passam a fazer parte da faixa etária de escolaridade obrigatória a partir de 2016), o número aumenta para 3,8 milhões, ou 8% do total.

Tabulações feitas pelo Globo nos microdados do Censo mostram que o problema é maior entre os mais pobres e crianças com algum tipo de deficiência. Os números também revelam que a maioria (62%) das crianças que não estudam dos 6 aos 14 chegou um dia a frequentar a escola, mas abandonou os estudos. O problema é ainda mais grave se consideradas as faixas etárias de 4 e 5 anos e de 15 a 17, que desde 2009 passaram a ser também obrigatórias, mas com prazo para adequação dos sistemas até 2016.

Ex-representante da Unesco no Brasil e doutor em Educação pela Universidade de Stanford, o assessor internacional para a área de educação, Jorge Werthein, diz que o primeiro passo, nada fácil, é identificar essas crianças e adolescentes.

— O Brasil é um país de contrastes. Há estados importantes com uma grande periferia urbana e muitas desigualdades econômicas. Há estados com uma área rural significativa que sofrem com a falta de escolas. Num país continental, é uma tarefa árdua chegar a essas crianças e adolescentes por estado, por capital, por região metropolitana. Mas é preciso achá-los e depois convencê-los a ingressar ou a voltar para a escola — diz.

— Depois, nós temos que repensar a escola para que ela seja um espaço não apenas prazeroso, mas em que os alunos sintam que estão aprendendo. Uma escola ruim em qualquer lugar do mundo expulsa os alunos, com repetências e abandono. Deixa para eles a mensagem de que não são capazes, o que marca de forma brutal meninos e meninas — completa Werthein.

É preciso reforçar as políticas públicas de inserção das crianças na escola, mas principalmente, mudar a consciência da importância dos estudos em todas as famílias brasileiras.

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