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Empoderadas: Mudando a vida de mulheres negras

Soffia Gomes da Rocha Gregório Correa poderia ser o nome de uma monarca ibérica, mas MC Soffia é uma criança como tantas outras. Criativa, ela gosta de brincar com as amigas. Ela mora na periferia. Ela é negra. E com muita auto-estima, ela está lentamente mudando o mundo ao seu redor.

Com histórias como a de MC Soffia, o canal Empoderadas busca apresentar mulheres negras de distintas áreas de atuação. O objetivo? Empoderar outras mulheres.

O Economistinha fez uma entrevista exclusiva com Renata Martins e Joyce Prado, idealizadoras do projeto que tem mudado a vida de mulheres negras por todo o Brasil.

Joyce Prado, à esquerda, e Renata Martins, à direita, com convidadas do Empoderadas

Joyce Prado, à esquerda, e Renata Martins, à direita, com convidadas do Empoderadas

Economistinha: Olá! Antes de tudo, parabéns pelo projeto. Como vocês tiveram a ideia de criar o Empoderadas?

Renata – O projeto nasce de um olhar sensível para sociedade, assim como, de uma reflexão de como a sociedade nos olha. E, ao refletir sobre essa tentativa de representação nos meios de comunicação tradicionais, percebemos que mulheres negras são em sua maioria sub-representadas. A realidade, o cotidiano midiático; TV, cinema, publicidade ou impresso, não condizem com os milhares de mulheres incríveis que conhecemos, que cruzamos ao longo de nossa vida.   

Joyce – Sim, nos pareceu urgente a necessidade de ter um espaço onde as mulheres negras pudessem ser representadas, pudessem ter voz para falar sobre suas experiências de vida e de trabalho. Sobre o que sentem e pensam. O empoderamento é, também, um autoconhecimento que pode ocorrer através de diferentes processos. Acho que conseguimos evidenciar isso através da série também.

Economistinha: Qual tem sido a resposta das espectadoras do canal?

Caption de episódio do Empoderadas

Caption de episódio do Empoderadas

Renata: O projeto EMPODERADAS tem tido respostas maravilhosas e inspiradoras. O projeto nasceu tendo mulheres negras como público alvo, porém, os frequentadores e multiplicadores de nossa página são diversos; mulheres negras de várias idades, mulheres de etnias e idades variadas, homens de todos os perfis e também o público LGBT, por fim, o projeto tem feito sentido para todas as pessoas que anseiam por um Brasil mais múltiplo e representativo. 

Joyce: Sim, é muito bom ler os comentários e ver as pessoas que se identificam com as experiências das entrevistas, as que são empáticas e se sensibilizam. A forma como algumas falas se potencializam no vídeo. Às vezes, uma frase reverbera na vida de outra pessoa e gera mudança, uma nova percepção de mundo.

Economistinha: A imagem da mulher negra é frequentemente sexualizada no Brasil. O que vocês acham que deve ser feito para que isso mude?

Renata: Não podemos esquecer que essa construção imagética equivocada entorno do corpo das mulheres negras é resquício da escravidão. O mundo, assim como o Brasil, não teve interesse em desconstruir esse imaginário, pois, não dá para questionar esse lugar da hipersexualização da mulher negra sem questionar privilégios dos brancos e se, a comunicação tradicional é gerida por algumas famílias tradicionais, para elas, é muito importante que as coisas continuem tais como sempre foram.

empoderadas-1Dentro deste contexto, penso que o caminho ainda será lento e gradual e que a mudança virá quando mais mulheres negras tiverem consciência de sua história e de que essa representação caricata é ideológica e mantenedora dos privilégios. Gostamos de sexo como qualquer outra mulher, no entanto, gostamos também de estudar, trabalhar, ler criar, pensar, respeito e dignidade, não somos objetos sexuais, somos mulheres dotadas de beleza, força, criatividade e capacidade intelectual. 

Joyce: Além do que foi dito pela Renata, é preciso também se repensar toda uma sociedade machista que objetifica a mulher em diferentes situações, que muitas vezes faz com que elas se anulem e não tenham voz nas decisões que envolvem suas próprias vidas. Muitos homens veem suas parceiras como algo que lhes pertence, de que eles têm a posse. Essa visão objetificada do corpo feminino é ainda mais forte dentre as mulheres negras, pois em um passado recente éramos vistas literalmente como mercadorias. Muitas vezes sinto como se o meu corpo fosse público e disponível ao toque e aos olhares. Isso é realmente incômodo a mudança vai ser lenta e gradual, a partir de uma mudança social muito grande.

Economistinha: De acordo com o IBGE[1], a renda média de uma mulher negra é menos da metade da renda de um homem branco. O que deve ser feito para reduzir o hiato salarial baseado em etnia e gênero? 

Ilustração representa as diferenças salariais entre homens e mulheres, negros e brancos (Arte: O Dia)

Renata – A sonhada mudança estrutural parece um pouco distante e ela só aconteceria em um mundo ideal onde empresários e empregadores mudassem a lente do período colonial e deixassem de ver mulheres negras como serviçais e incapazes. Como esse mundo ideal é utópico, acredito que essa transformação se dará a partir de nós, a passos lentos. Ao passo em que compreendamos a nossa história, nos instrumentalizarmos através do estudo das técnicas e do conhecimento, seremos capazes de mudar a nossa própria história.

Ainda que mulheres negras ganhem menos, não somente em relação a homem branco, mas sim, em relação a mulher branca e o homem negro, são elas o novo rosto do empreendedorismo: em dez anos, o número de negros donos de micro e pequenos negócios cresceu 28,5% no Brasil. Em 2001, eram 8 milhões e 600 mil empreendedores declaradamente negros, número que saltou para mais de 11 milhões em 2011, de acordo com dados do Sebrae.

Apesar da luta cotidiana contra o racismo e o machismo, algumas mulheres resistem e, de alguma forma, conseguem driblar esse hiato salarial. O caminho é longo, mas já indica um cenário positivo.

Joyce: Gostaria de acrescentar que o maior acesso a educação e políticas públicas que garantam o acesso e a permanência de crianças e jovens negras nas escolas é fundamental para a mudança do cenário atual.

Economistinha: Qual o objetivo que vocês almejam alcançar com o Empoderadas? Quais os seus planos para o futuro?

Renata: Nosso objetivo é que o projeto cresça cada vez mais e que possamos nos comunicar com o maior número de pessoas possíveis, assim como seja material de apoio para professores e arte-educadores, isto é, que os episódios sejam multiplicadores e disparadores de discussões. Esperamos que essas mulheres que compõem a primeira temporada sejam visibilizadas e inspirem outras mulheres, como uma corrente do bem, onde uma dá a mão à outra e juntas possamos caminhar rumo a uma sociedade mais igualitária, menos violenta, mais humana.

“EMPODERADAS” é um projeto independente. Nosso próximo passo é pensar em apoiadores para uma segunda temporada e nossa intenção é que ela seja itinerante, se não neste momento pelo Brasil, quem sabe por dentro do estado de São Paulo ou de Estados vizinhos.

Economistinha: Qual a mensagem-chave que vocês querem dar aos nossos leitores?

02 - AnaRenata: Precisamos reaprender a olhar o Brasil, ele é múltiplo e potente. Há um mercado consumidor ansiando por ser representado. Há crianças negras ansiando por referências e representatividade. Há crianças não negras carentes de ampliação de repertório. É preciso reaprender a olhar o Brasil.

Joyce: É fundamental conseguirmos ver o mundo pelo olhar de outras pessoas, com realidades diferentes das nossas e com vivências distintas. Sinto que, atualmente, muitas pessoas pensam que o mundo se resume à sua realidade, que as reivindicações por representação digna e respeitosa são reclamações infundadas. A estes, peço que se permitam escutar e refletir o que outras pessoas têm a dizer.

Se você quer conhecer todos os vídeos do projeto, visite o canal Empoderadas no YouTube. Também curta a página no Facebook e siga o canal no Twitter.

[1] Como compilado pelo jornal O Dia. Visualizado em 24 de agosto de 2015. http://odia.ig.com.br/noticia/riosemfronteiras/2014-11-23/brancos-tem-renda-853-maior-que-a-dos-negros.html

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Uma Verdade Inconveniente: a Discriminação dentro das empresas

A grande maior parte das grandes empresas brasileiras tenta se mostrar inclusiva e contemporânea. Cresce rapidamente o número de empresas que possibilitam a inserção de parceiros de homossexuais nos planos de saúde corporativos, por exemplo, igualando os direitos destes aos de seus colegas heterossexuais.

Parece bonito, não é? Parece.

Mas a realidade “entre quatro paredes” dos escritórios é desoladora: diariamente ocorrem “piadas” e “brincadeiras” misóginas, contra homossexuais e até contra negros (a despeito da regulação expressa da lei 7716/1999 que torna a discriminação racial/étnica passível de reclusão).

Dou exemplos: em uma roda de amigos e colegas ex-alunos da USP (a maior e melhor universidade pública do país), ao perguntar se as pessoas já haviam sido vítimas de bullying nas empresas em que trabalham, ouvi as seguintes frases:

H – Quando eu trabalhava em um grande banco e minha sexualidade “vazou” para todos, rolou um clima bem chato.

H – Meu trabalho antigo foi o meu primeiro no mundo corporativo, e segui a linha de ficar na minha. Mas sem fingir ser o que não sou. Lógico que no médio prazo, as pessoas vão notando, porque quanto todo mundo faz uma roda pra falar de mulher, você não entra ou fica mudo sorrindo. Depois que eu saí, descobri que várias pessoas comentavam mesmo.

Heteronormatividade para fazer parte do grupo: até quando?

H – Sempre achei mais saudável separar a vida pessoal da profissional. Nunca assumi abertamente, mas também nunca neguei. Aos poucos, conforme fiz amizades no trabalho, algumas pessoas ficaram sabendo.
Não sei se chega a ser bullying, mas já passei por uma situação constrangedora. Estava na [empresa X] fazia poucas semanas quando uma colega mal intencionada perguntou, do nada, em alto e bom som no meio do departamento se eu era gay.

H- Uma vez ouvi de longe umas piadinhas meio homofóbicas da minha chefe e de um colega. Meu instinto foi querer falar algo como “Shuuuush aí, pessoal, vamos trabalhar! Piadinha com gay no ambiente de trabalho não!”, mas não tive coragem na hora. Uma vez uma colega que às vezes fazia perguntas pessoais para os outros perguntou se eu tinha namorada e eu respondi que não, mas eu tinha namorado e não falei nada. Se ela tivesse perguntado “você namora”, eu teria ficado nervoso com a pergunta pessoal, acho que o coração ia acelerar um pouco, talvez eu respondesse que sim, talvez eu ficasse calado, talvez eu mudasse de assunto, mas eu não diria que não. Eu sou bem tranquilo quanto a ser abertamente gay, mas ainda tenho dificuldade na hora de sair do armário. Depois que isso acontece eu relaxo. Nós tínhamos uma colega que era de Campinas, morava lá mas durante a semana estava ficando na casa do cunhado nela na rua Frei Caneca. Ela era completamente desequilibrada e uma vez berrou ao telefone: “EU NÃO AGUENTO MAIS ESSE LUGAR CHEIO DE BICHAS E BOIOLAS.” Na hora acho que eu fiquei tão estarrecido que eu não fiz nada, mas depois contei para a minha chefe e, por esse e por vários outros motivos, a avaliação dessa funcionária foi péssima, mas tudo que aconteceu, até onde fiquei sabendo, é que ela foi transferida para Osasco. Alguns dias atrás eu estava passando pelo corredor e ouvi um colega de outro setor falar alto para os colegas dele: “vou fechar aqui a porta, se não o ar-condicionado bicha!”. Fiquei seriamente desconfiado de que tivesse sido comigo, mas não tenho como saber por enquanto. Vou esperar para ver se percebo mais alguma coisa parecida naquele setor, para ver se não era só coisa da minha cabeça…

H – Trabalho numa empresa TÃO homofóbica que, se eu contar os tipos de piadas/comentários que rolam por lá, vocês achariam que é brincadeira. Nada direcionado a mim, mesmo porque ninguém sabe (e acho que nem desconfia), mas às vezes era tão pesado que eu chegava a sair bem triste de lá (falo no passado porque agora realmente aprendi a “me desligar”). Mas o pessoal lá não é só homofóbico, é cabecinha pequena/quadrada em diversos aspectos. Eu fico na minha e não discuto, porque infelizmente curto muito o trabalho em si (caso contrário já teria ido embora faz tempo). Enfim, acho que posso considerar que sofro bullying indireto?

H – Na auditoria, apesar da política da firma (‘Viva a diversidade”), logo quando eu estava para me desligar, houve uma piada sobre gays direcionada à mim, na minha frente e de toda a equipe. Alguns não entenderam, mas eu saquei. Na semana seguinte, na entrevista d desligamento – ñ sai por isso, tinha conseguido outro emprego – eu contei e o RH me sugeriu o denunciar ao comitê de ética. Acabei não fazendo, e sinto que vingança não teria levado a nada… Hj a auditoria em que eu trabalhava é quem audita a empresa em que trabalho… e eu sabia que isso iria acontecer. Por isso, preferi sair quieto,sem fazer barulho, sem nada.

M – No meu trabalho antigo os colegas que se tornaram amigos sabiam, mas no atual o pessoal é bastante homofobico e com a cabeça fechada, dai finjo que tenho um peguete ao invés de uma namorada :/

Isto te ofende? Pois não deveria.

Peço desculpa pela quantidade de depoimentos, mas eu não me senti à vontade para editar ou censurar os comentários destes colegas. São casos comuns, que acontecem por todo o país o tempo todo. O que se faz? NADA.

Este é um assunto bastante polêmico e que muita gente evita comentar. Especialmente o governo, em seus três poderes, que deveria zelar pela população, mas apenas refletindo a pseudomiopia da sociedade brasileira atual. Porque o mesmo que vou denunciar de dentro das empresas acontece nas igrejas, centros comunitários, escolas, universidades, etc etc. Mas se evita falar a respeito. Finge-se que não se vê.

Por quê?

Em parte, por causa da confusão causada pela maciça presença de representantes de entidades religiosas nas câmaras, como eu já analisei neste post. Mas há muito mais em jogo.

Eu sou contra a PLC 122 por definição, por acreditar que isto fere a liberdade de expressão, primordial em uma democracia plena, mas é assustador o apoio que discursos preconceituosos tem em nossa sociedade. Pior: quem se revolta contra isso até se sente errado, como observamos nos depoimentos.

Na minha humilde opinião, o único remédio é denunciar. Não tem jeito. Infelizmente, quem denuncia está sujeito a retaliações posteriores, e é aí que o Estado deveria interferir, mas não é o que acontece.

Afinal, qual a solução para isto?

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